Todos temos a nossa cruz. Não há cruzes maiores ou mais pesadas, mais esfarpadas ou mais injustas, mas apenas diferentes. Diferente pela maneira como decidimos abraçá-la, diferente pelo modo como a carregamos, diferente pelo sentido que lhe damos. Nesta semana em que vivemos a semana maior, mais conhecida por semana santa, acompanhamos, com fervor renovado, a paixão, crucifixão e morte de Jesus Cristo, morte que foi, simultaneamente, fim e princípio. Morte que conduziu à passagem, significado da palavra Páscoa, da humanidade de Cristo e, em Cristo, de toda a humanidade, redimida e ressuscitada pelo Pai, que nos deu a conhecer, à sua glória eterna. Naquela cruz, que foi motivo de escárnio e troça por parte dos romanos, escândalo por parte dos judeus e loucura por parte dos gentios, esteve a maior prova de amor da qual comungaram o Filho que entregou, livremente, a sua vida por uma humanidade ferida, o Pai que o recebeu e ressuscitou, recebendo também a nós como seus filhos, e o Espírito Santo que foi derramado em nossos corações, permitindo-nos conhecer o Deus que é amor e que escolhe habitar em nós.
Por isso, como cristã, escolho carregar a minha cruz com Cristo, em Cristo e por Cristo. Não é uma tarefa fácil até porque ser cristão não é fácil. Implica uma entrega, um despojamento, uma fidelidade e uma coerência que nem sempre conseguimos ter, ou ser. Ser cristão implica “todo o nosso coração, toda a nossa alma e todas as nossas forças” (cf. Dt 6, 5), ou seja, todo o nosso tudo. O nosso agir deve ser reflexo do nosso ser e o nosso ser reflexo de Cristo, ou seja, ser cristão é ser amor. Não um amor afetivo, que se dissipa na bruma das adversidades, mas um amor que é uma escolha livre, consciente e constante, que nos permite “amar os nossos inimigos e orar pelos que nos perseguem” (cf. Mt 5, 44), que nos leva até ao Calvário “porque ninguém tem mais amor do que quem dá a vida pelos seus amigos” (Jo 15, 13). Ser cristão é, muitas vezes, ser contrário à lógica do mundo, é acreditar na justiça de Deus e não na justiça retributiva dos homens, é, como me diz muitas vezes uma amiga, não julgar os outros por pecarem de maneira diferente da nossa, é saber que somos todos diferentes, que todos temos uma história única que Deus vai escrevendo connosco, é comungar as semelhanças e abraçar as diferenças, é aceitar que cada um de nós tem a sua cruz. Ser cristão não é nada fácil, prova disso é que vacilamos muitas vezes. Afastamos o cálice que nos foi dado a beber e rejeitamos a cruz que nos foi dada a carregar, beijamos como Judas, negamos como Pedro, e escondemo-nos na multidão enfurecida que clama “seja crucificado (Mt 27, 22)!
Todos temos a nossa cruz, mas perdemos demasiado tempo pensando nos porquês, comparando a nossa vida com a dos outros e, entregues à comiseração, gritamos, como Jesus: «Eli, Eli, lemá sabactháni!», isto é, «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste» (cf. Mt 27, 46)? Nessas alturas, a nossa cruz parece sempre maior, mais pesada e mais injusta do que a dos outros. Envoltos no nosso egocentrismo, deixamos de ter a capacidade para ver para além das nossas fronteiras. O mundo torna-se demasiado pequeno, sufoca a vontade, estrangula a inteligência e rouba-nos a liberdade. Tornamo-nos no nosso maior mal quando deixamos que o medo paralise o maior dom que recebemos de Deus: sermos livres.
Jesus, que é o caminho, percorreu-o com a sua vida, morte e ressurreição. Como diz São Paulo, num dos hinos cristológicos mais sublimes: Cristo Jesus “que era de condição divina, não se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo. Assumindo a condição de servo, tornou-se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz” (cf. Fil 2, 6-8). Mergulhados na liturgia desta semana, aceitemos percorrer o caminho sinuoso que Jesus percorreu. Aceitemos o convite de discipulado que Jesus nos propôs “negando-nos a nós mesmos, tomando a nossa cruz, dia após dia” (cf. Lc 9, 23). Aprendamos a ver a beleza da cruz que carregamos, pois nela está o rosto visível do Deus invisível, aquele nazareno chamado Jesus, que é o “caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6).
Fonte | IMISSIO