Era uma vez um mocho que vivia num buraco escavado no tronco de uma velha árvore da floresta. Os seus olhos grandes, a capacidade de conseguir ouvir e ver bem na escuridão da noite e a facilidade com que girava a cabeça de um lado para o outro para observar e tomar consciência da realidade envolvente, simbolizavam bem para todos os animais a inteligência, a sabedoria, a reflexão, o mistério e o conhecimento.
Um dia todos os animais do bosque decidiram ir falar com o velho mocho para lhe pedirem um conselho. As gerações mais jovens manifestavam vontade de ir viver para as cidades dos humanos pois muitos havia que lhes davam comida e até os levavam para suas casas. As crias nascidas nos anos mais recentes já não se identificavam muito com os valores ancestrais da vida selvagem e até desejavam ser pessoas pois pareciam ser mais inteligentes, criativas e felizes.
A tristeza e deceção dos pais e avós da bicharada da floreste eram evidentes e punham em questão o tipo de educação que estavam a dar aos mais novos. Bem que lhes explicavam que os humanos tinham coisas boas, mas que eram também os responsáveis pela destruição da floresta que lhes roubava o habitat, pela poluição que vinha das cidades e das suas indústrias que lhes deteriorava o ar que respiravam e que muitos havia que maltratavam e exploravam animais.
O mocho escutou a exposição angustiada e apreensiva dos animais da floresta e, após alguns momentos de silêncio e meditação, pediu que, no dia seguinte à noite, trouxessem para ali todos os membros das diversas famílias para uma grande assembleia.
À hora combinada, e com a lua e as estrelas como testemunhas, todos se reuniram em ambiente sereno e aprazível para escutar o velho sábio e soberano da noite. A verdade é que era a primeira vez que se juntavam todos no mesmo local e, apesar de serem tão diferentes, havia muito mais coisas que os uniam do que realidades a separá-los.
O mocho, depois de saudar a todos do alto da sua árvore, disse que o Homem já não era o que fora em tempos idos e que se tinha tornado num animal ‘light’. Parecia que nele tudo era ligeiro, suave, leve e débil e na sua existência tudo era sem grande intensidade e profundidade e não importava a essência das coisas, pois só valia o superficial e as coisas sem compromisso. Havia um pensamento frágil e as convicções eram sem firmeza.
O mocho afirmava que no sujeito light só se via hedonismo, materialismo, permissividade e relativismo e que carecia de pontos de referência. Vivia num grande vazio moral e não era feliz. Afundara-se num redemoinho de sensações sofisticadas e narcisistas, era frio, não cria em quase nada ou, então, acreditava em tudo sem critério, e vivia afastado dos autênticos valores transcendentes e que lhes podia oferecer verdadeiro sentido.
E continuava argumentando que o homem light não tinha referências e, como perdera a bússola de uma vida com norte, a única saída era navegar à deriva e sem rumo. Não querendo agarrar-se a nada em concreto, apegava-se a tudo sem coerência nem harmonia e quase ninguém acreditava no futuro, dissolvendo-se a confiança e a esperança no porvir.
Para o velho e sábio mocho, o homem light inundara-se no tédio, no pessimismo, no desânimo e na melancolia, o importante e decisivo era o gozo e o prazer pessoal, tudo era indiferente, nada estava proibido e sentir-se bem em cada sítio e momento era o único imperativo. Cada um era dono de si mesmo, do seu corpo e das suas opções e ninguém tinha nada que se meter.
Todos os animais ouviram respeitosa e atentamente o discurso do mocho e ninguém ousou fazer o mais pequeno ruído ou se atreveu fazer o mais ínfimo comentário. A velha ave sabia do que falava e discursava com sensatez e sabedoria.
Então, um pequeno macaco tomou a palavra, agradeceu as palavras do mocho e reconheceu que, como sempre lhe disseram os pais e avós, ‘cada macaco no seu galho’. Poderiam aprender algumas coisas com os humanos, mas eram muito mais as que eles deveriam aprender consigo.
Então, decidiram reunir-se uma vez por semana naquele local para lanchar, conviver, jogar e cantar e combinaram não dizer nunca aos humanos que eram muito felizes sem eles, que conversavam ainda mais do que eles e que também tinham valores e sabiam pensar e amar.
Fonte: IMISSIO