Era uma vez um lavrador que gostava imenso de trabalhar na terra. Todos os alimentos que a sua família comia saíam das suas mãos e do suor do seu rosto e isso era para si motivo da maior satisfação. De manhã à noite ocupava-se, com todo o empenho e entusiasmo, nas lides da sementeira, lavra, rega e demais cuidados do cultivo do campo.
Sentia-se feliz e realizado ao trabalhar o seu pedaço de terra rodeado de árvores por todos os lados e entretinha-se, do nascer ao pôr-do-sol, a ouvir as melodias dos passarinhos e o fragor do riacho que passava nas redondezas. A passarada habituara-se de tal forma à sua presença por aquelas bandas que parecia não ter receio algum em estar bem próxima dele a debicar as sementes do chão.
O camponês tinha uma filha e, de vez em quando, ia consigo para o campo para levar para casa alguns produtos para o almoço ou para o jantar e era frequente ficar por largos períodos de tempo a ouvir os pardais a cantar. Ficava encantada com a musicalidade das aves e com a beleza e harmonia das suas autênticas sinfonias.
O agricultor dizia à filha que às vezes parava o seu trabalho e, em silêncio, com os olhos fechados e debruçado na sua enxada, rezava com as extraordinárias canções da pardalada.
Um dia, a menina disse ao pai que gostava de ter um pardal só seu e que cantasse só para si mas ele não apreciou particularmente a ideia, dizendo-lhe que o lugar dos passarinhos é em liberdade na natureza.
Como a pequena nos dias que se seguiram não conseguia esconder a sua tristeza, o lavrador, apesar de interiormente contrariado, decidiu fazer uma pequena armadilha com meia dúzia de paus e uma rede para tentar apanhar um pardal no campo e oferecer-lho pois faria anos daí a dias.
Como habitualmente, a passarada fazia companhia ao camponês e cantava numa enorme algazarra e não foi muito difícil apanhar um pardal, bastando para tal puxar um fio quando um, atraído por um bocado de maçã, estava debaixo da armadilha.
No dia do aniversário da menina, o pai ofereceu-lhe o pardal dentro de uma gaiola que ele mesmo construíra e ela saltou de alegria, abraçando afetuosa e efusivamente o pai. Colocou a gaiola junto à janela do quarto e sentia-se a pessoa mais feliz do mundo. Tinha um pardal só seu e que cantaria apenas para si.
Apesar de todo o carinho e cuidados, o pardal surpreendentemente não cantava e isso era uma imensa deceção para a menina. Como era possível que tendo tudo para estar satisfeito, não precisando de procurar comida nem bebida e longe de potenciais predadores, parecia triste e não cantarolava?
Numa manhã húmida e chuvosa, o pardal avistou uma cobra no quintal e chilreou com todas as suas forças como que antevendo perigo iminente para todos. O seu ruído estridente chamou a atenção de todos que perceberam logo a razão de tal alarido.
A menina, sensibilizada com o pardal, decidiu abrir a gaiola e, como gesto de agradecimento, deixou-o sair. O pardal saltou para o parapeito da janela, e, olhando para a menina, inesperadamente cantou um bocadinho e esvoaçou em direção às árvores do campo.
O pai e a mãe da menina nem sabiam o que pensar e dizer de toda aquela situação mas sentiam-se felizes com a atitude da filha. O camponês confessou, pela primeira vez, que sempre se sentira arrependido por ter tirado a liberdade àquele pardal e, desde que o apanhara, jamais voltou a ter a felicidade da companhia dos pássaros que talvez se tenham sentido enganados por si.
Após a chegada do pardal ao campo, aos poucos as sinfonias regressaram e o lavrador voltou a parar todos os dias a meio da manhã e da tarde e, com o pardal da filha ao ombro, louvava a Deus que tudo criara com amor e sabedoria. Admiravelmente, todos os dias de manhazinha e ao entardecer, o pardal ia à janela da menina, entrava na gaiola, comia algumas sementes e pedacinhos de frutos e fazia um pequeno concerto só para si.
Fonte: IMISSIO