O Afonso e a Sofia estavam entusiasmados. Chegara o tão ansiado fim-de-semana em que iriam para casa dos avós na aldeia. Sem saber muito bem porquê, além da mochila com roupa, haviam recebido uma missão: cuidar de um ovo como se de um irmão bebé se tratasse. Os dois irmãos tinham que andar sempre com o ovo e levá-lo inteiro para casa.
Pelo caminho, a única coisa que lhes vinha à mente era a hipotética relação entre aquele ovo e os ovinhos e amêndoas da Páscoa. A chegada da primavera era associada a tradições curiosas que envolviam coelhos, ovos de chocolate coloridos e desafios de caça aos ovos mas os irmãos achavam tudo aquilo muito estranho, até porque os coelhos não punham ovos.
O fim-de-semana não ia ser muito fácil pois, além de o Afonso e a Sofia serem muito reguilas e de andarem muitas vezes às cabeçadas, tinham que ter todo o cuidado do mundo para que o desafio dos pais fosse coroado de êxito.
Ao chegarem a casa dos avós, os dois irmãos abraçaram-nos de forma efusiva mas logo os avisaram que tivessem cuidado pois tinham um ovo que não se podia partir. O avô respondeu:
– Meus Deus… além de trazerem as mochilas cheias que nem um ovo, trazem um ovo nas mãos… O que eu sei é que, às vezes, para falar com a vossa avó é como pisar em ovos…
Todos se riram à gargalhada e a avó, para não ficar atrás, logo respondeu:
– Não liguem… o vosso avô acha sempre que a galinha da vizinha põe um ovo melhor que a minha… bem, vamos fazer o almoço… e, nem de propósito, vou buscar uns ovos ao galinheiro pois sem ovos não se fazem omeletes.
Enquanto a avó Alice preparava a refeição, o Afonso e a Sofia falavam com o avô Joaquim na cozinha. A menina abraçava o ovo com toda a ternura e o irmão parecia um guarda-costas ao seu lado. Como o avô Joaquim estava a achar piada àquilo do ovo, levantou-se, foi buscar um e desafiou os netos:
– Se vocês conseguirem pôr este ovo em pé, dou-vos um presente.
O Afonso e a Sofia logo responderam que seria muito fácil. Contudo, tentaram e voltaram a tentar e nada. Então, o avô pegou no ovo, bateu-o suavemente numa ponta e pô-lo em pé. Logo os netos começaram a rir-se e a dizer que assim não valia e que daquela forma qualquer pessoa conseguia. O avô disse, de seguida:
– O que acabei de fazer aconteceu com o Cristóvão Colombo… é a famosa história do Ovo de Colombo. Depois de ter descoberto a América, ele foi homenageado num banquete onde havia tudo do bom e do melhor. Algumas pessoas que lá estavam menosprezaram o feito do senhor e afirmaram que qualquer navegador poderia tê-lo feito. Então, o Cristóvão Colombo pediu que trouxessem um ovo e desafiou-os a colocá-lo em pé… Como ninguém conseguiu, ele bateu o ovo sobre a mesa amassando uma das extremidades, o que possibilitou que ficasse em pé. Depois, acrescentou que qualquer um poderia fazê-lo mas antes era necessário que alguém tivesse essa ideia.
A Sofia disse:
– Muito bom…
O avô respondeu:
– Quando se utiliza a expressão Ovo de Colombo quer dizer-se que algo muito difícil de se realizar parece muito fácil depois de ter sido concretizado por alguém. Quando se diz que determinada pessoa encontrou o seu Ovo de Colombo, estamos a afirmar que ela descobriu alguma coisa que lhe vai dar muito proveito.
Depois de se terem deliciado com a omelete da avó Alice, os meninos reconheceram que os ovos caseiros da quinta faziam toda a diferença. É que os avós do Afonso e da Sofia tinham vários animais e os coelhos e as galinhas passeavam animada e livremente pelos campos com os seus filhotes.
Então, a avó Alice convidou os netos a pintar alguns ovos com imagens engraçadas da primavera para oferecer aos pais e fazer-lhes uma surpresa quando viessem buscá-los no dia seguinte. O avô, por sua vez, sugeriu que depois poderiam fazer o jogo de descobrir onde estavam alguns ovos que esconderia entretanto pela quinta.
Os meninos adoraram as propostas e só revelavam preocupação em relação à forma como iam proteger o ovo dado pelos pais para que não o partissem. Divertiram-se todos imenso durante toda a tarde mas como o Afonso revelava um espírito competitivo exagerado, a avó lembrou-se da história da galinha que punha ovos de ouro e, contou:
– Olhem, um homem tinha uma galinha muito especial pois todas as manhãs punha um ovo de ouro. Como vendia a bom dinheiro todos os ovos preciosos que a galinha punha, ele acumulou uma grande fortuna rapidamente. No entanto, quanto mais rico ficava, mais avarento se tornava. Como achava que um só ovo por dia era pouco e ambicionava enriquecer ainda mais e mais rapidamente, decidiu abrir a barriga da galinha, convencido de que encontraria uma quantidade incrível de ovos de ouro. Como é fácil de adivinhar, nada encontrou e ficou sem nada…
A Sofia respondeu:
– Coitada da galinha dos ovos de ouro… O camponês foi mesmo tonto… já se sabe, quem tudo quer, tudo perde.
À noite, depois do jantar, o Afonso e a Sofia foram para junto da lareira brincar com os avós. Eles adoravam falar com eles sobre tudo e mais alguma coisa e eram serões bem diferentes pois preferiam não ligar a televisão e passar todo o tempo em amena cavaqueira. Trocavam, de vez em quando, a tarefa de guardar e proteger o ovo que lhes tinha sido confiado pelos pais, como se isso fosse a coisa mais importante do mundo. A determinado momento, o Afonso lembrou-se dos ovos da Páscoa que tinham pintado e daqueles que tinham encontrado por toda a quinta no jogo da tarde e perguntou:
– Afinal, qual é o significado dos ovinhos da Páscoa?
A avó respondeu:
– Pelo que ouvi dizer, na cultura judaica, que celebra a saída dos judeus do Egito e a libertação da escravidão na Páscoa, o ovo é usado como símbolo do povo de Israel. Assim como os ovos não perdem a sua forma ao serem cozidos, assim os hebreus, que foram como que ‘cozidos’ pelo sofrimento e pela dor, não perderam a unidade, identidade e fidelidade ao seu Deus… Na tradição cristã, o ovo é relacionado com a ressurreição de Jesus Cristo. Assim como a ave que está dentro de um ovo precisa quebrar a casca para nascer, Cristo precisou romper o sepulcro para ressuscitar… Por isso, existe o costume nesta época em muitas regiões de as pessoas se presentearem mutuamente com amêndoas e ovos pintados… Por isso é que o ovo se tornou um símbolo pascal para evocar a ideia de fertilidade, esperança, nascimento e vida.
O Afonso respondeu:
– Pareces uma enciclopédia, avó… E os coelhos?
O avô Joaquim disse:
– Pois… já se vê que os ovos não são postos pelos coelhos… Há uma lenda que diz que os coelhos foram os primeiros animais a ver Jesus ressuscitado… mas, pelo que sei, a utilização do símbolo dos coelhos na Páscoa deve-se à sua enorme capacidade de reprodução pois geram grandes ninhadas. Na primavera, quase todos os animais têm filhotes… Esse facto é associado à vida nova que é oferecida a toda a humanidade por Jesus que venceu a morte por ser o filho de Deus.
Na manhã do dia seguinte, o Afonso e a Sofia foram passear com o avô pela quinta até um riacho no fundo do terreno, quando foram surpreendidos pela chuva e tiveram que regressar a casa todos molhados e enlameados. A verdade é que a avó Alice tinha-os advertido de que era melhor ficarem por casa pois parecia que o tempo estava a mudar mas ninguém lhe ligou nenhuma.
Depois de se secarem e mudarem de roupa, a avó Alice aproveitou a desagradável situação anterior e disse-lhes que viessem até junto do fogão. Enquanto fazia o almoço no forno, pegou numa panela com água e colocou lá dentro uma batata, uma cenoura e um ovo.
Depois de deixar que tudo fervesse, retirou para um prato a batata, a cenoura e o ovo e pediu aos netos que lhe dissessem como é que estavam. A batata e a cenoura estavam moles e quase se desfaziam e o ovo ficara com a mesma forma mas, depois de lhe retirarem a casca, viram que endurecera com a fervura.
A batata e a cenoura foram para a panela fortes, firmes e inflexíveis mas, depois de terem sido submetidas à água a ferver, amoleceram e tornaram-se frágeis. Por sua vez, o ovo, que era frágil e a sua casca fina, tinha protegido a clara e a gema. Após ter sido colocado na água a ferver, o seu interior tornara-se mais rígido e sólido. Então, a avó Alice disse:
– Será que vocês são como a batata e a cenoura ou como o ovo?
Eles não perceberam bem a pergunta e a avó continuou:
– Diante das adversidades da vida, podemos ser como a batata e a cenoura. Parecemos fortes mas, com o sofrimento e as dificuldades, murchamos, tornamo-nos frágeis e perdemos a força. Mas também podemos ser como o ovo. Parece que começamos com um coração maleável, mas depois dos obstáculos e problemas, tornamo-nos mais duros e difíceis. Não podemos deixar que as dificuldades nos vençam. Elas podem ajudar-nos decididamente a sermos mais fortes e são uma oportunidade para crescermos e amadurecermos.
O Afonso e a Sofia estavam espantados com aquela experiência gastronómica de tipo científico e com as sábias palavras da avó. O avô acrescentou:
– Realmente, a mesma água a ferver que amoleceu a batata e a cenoura tornou o ovo duro… Não são as circunstâncias que mudam as pessoas, mas sim o que têm dentro delas.
Depois do almoço, o Afonso e a Sofia foram ajudar os avós a alimentar a bicharada. Enquanto atiravam milho e arroz para as galinhas e para os pintainhos, discutiam sobre a velha questão de quem teria nascido primeiro: o ovo ou a galinha. E eis que, inesperada e lamentavelmente, o ovo, que tão cuidadosamente tinham guardado durante todo o fim-de-semana, caiu ao chão e partiu-se.
As crianças choraram inconsolavelmente. Tinham fracassado na missão que tinha sido dada pelos pais e sentiam-se muito mal. O avô Joaquim e a avó Alice tentavam a todo o custo animá-los com mil e uma argumentações.
Como entretanto chegaram os pais das crianças, os avós contaram tudo quanto tinham feito juntos durante aqueles dois dias. Então, o pai abraçou-os e disse:
– Não há problema nenhum. Sei que se esforçaram muito e isso para nós é mais do que suficiente. Mas aprendam isto para a vossa vida: Quando um ovo cai, quebra-se a casca, é impossível compor e morre a vida que estava dentro dele. Acontece isso com alguns erros que cometemos. Os danos são grandes, a vida morre e a reparação é quase impossível.
Depois, a mãe acrescentou:
– Não estejam assim tão tristes… não estamos desiludidos convosco e o desafio que vos demos foi superado. E outras lições importantes: Se um ovo se rompe por uma força exterior, a vida termina… Mas se ele se rompe por uma força interior, a vida começa!… Grandes coisas começam a partir do nosso interior e eu sei que vocês são maravilhosos. As pessoas são como os ovos… não as conhecemos bem só por fora.
O Afonso e a Sofia ficaram muito sensibilizados com as palavras dos pais e com as lições dos avós naquele fim-de-semana. Deram aos pais os ovos que haviam pintado e abraçaram-nos demoradamente.
Então, a avó chamou as crianças e deu-lhes um saquinho de amêndoas a cada um e uma cesta com uma dúzia de ovos fresquinhos para fazerem um bolo em casa com a mãe. O avô, para não ficar atrás, foi ao galinheiro e ofereceu-lhes dois pintainhos numa gaiola para que os criassem, tivessem sempre muitos ovos e recordassem por muito tempo aquele fim-de-semana especial e a simbologia da vida sempre a renovar-se.
Fonte: IMISSIO