São Paio

Origem

Paio, menino português, nascido no território de Coimbra (como querem os nossos autores) e da nobre família dos Cunhas e Sampaios, vivendo, na primeira flor dos seus anos, como outro Tobias, temente a Deus, mereceu ser feito vítima de Cristo. Teve ele excelente criação, em casa do bispo de Tuy, Hermógio, seu tio. Entrou naquele tempo Abderramen, rei de Córdova III do nome, com um poderoso exército pelas terras dos cristãos, abrasando-as como se fosse um raio.

O menino era muito formoso, quanto modesto. O Senhor que já o tinha escolhido para ser mártir, favoreceu‐o de tal modo no cárcere que essa tribulação foi para ele um exercício na virtude e nela se afinou, como o ouro no crisol. Era muito honesto, assisado, sossegado e prudente. Dedicado à oração, lia os livros santos, exercitava a virtude, afastava‐se das palavras e conversas vãs, do riso vulgar e da zombaria, da dissolução, enfim, mais que um menino, parecia homem maduro, no sensatez e maturidade. Assim esteve o menino na prisão, durante três anos e meio, preparando‐se para que Deus lhe concedesse a graça que lhe havia de fazer, dando‐lhe a coroa e a palma de mártir.

Estando o rei a comer, um criado, certo dia, exaltou a rara e admirável beleza do menino Pelágio. Então, o rei ordenou que o tirassem, imediatamente, da prisão, onde estava agrilhoado, e o trouxessem à sua presença e vista. Tiraram‐no da prisão e vestiram‐no ricamente, falando‐lhe da boa sorte que lhe coubera, e puseram‐no diante do rei. O rei, como era não menos torpe que infiel, ao vê‐lo, ficou cego com o esplendor da sua formosura e começou a oferecer‐lhe honras, riquezas e outros dons e dignidades para ele e para os seus, se deixasse de ser cristão e seguisse a lei do grande profeta Maomé. O santo menino, com muita presença, espondeu: «Tudo o que, ó rei muito poderoso, me prometes, não é nada. Eu sou cristão e sê‐lo‐ei, como tenho sido, sem nunca negar a Jesus Cristo. Pois que tudo o que me ofereces é caduco, frágil e momentâneo. Mas Jesus Cristo, meu Deus e meu Senhor, que criou todas as coisas e as mantém com as suas mãos, é eterno e não tem fim». Quis o rei aproximar‐se do menino, para afagá‐lo e tocar‐lhe com desonestidade. Pelágio, não como menino, mas como varão resoluto, censurou‐o: «Afasta, cão, o teu rosto. Julgas que sou como os teus efeminados?» Dito isto, rasgou a rica roupa com que fora vestido e lançou‐a para longe, a fim de estar mais desenvolto para a luta e combate que esperava, e morrer, se fosse necessário, por Jesus Cristo. Apesar disso, ao rei que estava tão preso e abrasado de paixão, aquelas palavras do menino Pelágio e o seu gesto, nada o influenciaram para que desistisse do seu malicioso intento. Ordenou aos criados que, com carícias e meiguices, procurassem persuadi‐lo a deixar de ser cristão e se entregasse docemente aos seus depravados desejos.

Mas, como o rei visse que com ele perdia tempo, porque Pelágio era firme e vigoroso no seu propósito, aquela inclinação que alimentava por ele, transformou‐se em ódio e aquela meiguice em raiva e furor e, assanhado, com olhos que cintilavam e lançavam chamas, mandou‐o imediatamente dependurá‐lo no patíbulo e soltá‐lo várias vezes até que a sua vida se dissipasse ou ele deixasse de confessar Jesus Cristo como Deus. Logo se executou o que o rei mandara, com muita crueldade. O santo menino estava com um semblante celeste, sem mostrar fraqueza, preparado para padecer outros tormentos maiores que lhe quisessem dar.
O rei percebeu isto e, então, a sua fúria infernal tornou‐se maior. Por isso, ordenou que lhe cortassem todos os seus membros, um a um e, depois de morto, o lançassem ao rio Guadalquivir. Com isto, os ímpios e cruéis ministros se encarniçaram mais e se atiraram ao santo menino. Um feriu‐lhe um braço, outro encurtou‐lhe as pernas, outros golpearam‐lhe a cabeça e outros divertiam‐se com os variados tormentos que lhe aplicavam. O seu sangue escorria como um rio por todas as partes do bendito corpo. Mas o espírito de Pelágio estava muito sereno e sossegado, como se não fora seu, mas de outro, aquele corpo que padecia.
Invocava Jesus Cristo, suplicando: «Livrai‐me Senhor das mãos dos meus inimigos». Tentando levantar as mãos ao céu, cortaram‐nas os verdugos e, depois, a cabeça. E, com esta morte, entregou o espírito ao Senhor. Por fim, lançaram o santo corpo ao Guadalquivir.


Os cristãos devotos procuraram‐no, encontraram‐no e sepultaram‐no na igreja de S. Genésio (São Gens) e a cabeça, na igreja de S. Cipriano.
O seu martírio deu‐se num domingo, em 26 de Junho de 926. (Segundo Ambrósio de Morales e o cardeal Barónio, em 925, porque foi nesse ano que 26 de Junho caiu num domingo e não no ano 926). O seu tormento durou cerca de seis horas, a partir da uma da tarde. Com ajuda de Deus, S. Pelágio combateu com os duríssimos tormentos e venceu‐os com grande fortaleza de espírito.
O rei D. Sancho, o gordo, filho do rei D. Ramiro II, enviou uma solene embaixada ao rei de Córdova, para tratar da paz e pedir‐lhe o corpo do santo menino Pelágio e obteve‐o. Quem recebeu o corpo foi o rei D. Ramiro III, por morte do pai, e colocou‐o num mosteiro que seu pai tinha edificado para o santo. Depois foi trasladado para Oviedo, a oito de Novembro de 1023, onde se conserva.