Ao contrário da maior parte das pessoas que conhecia, um homem considerava-se ateu e dizia habitualmente que só acreditava naquilo que conseguia ver com os seus olhos e tocar com as suas mãos. O resto eram palpites.
Não era indiferente ao fenómeno religioso e tinha consciência de que em todos os tempos e em todo os lugares havia pessoas que rezavam, acreditavam e morriam pela sua fé. Percebia que o ser humano precisava de agarrar-se a algumas coisas ou a alguém, mesmo que fosse só na imaginação, para que se sentisse mais seguro e mais calmo e encarrasse a vida com mais determinação mas não entendia como é que podia haver tanta hipocrisia e tanto ódio entre aqueles que tinham distintas formas de adorar os seus deuses.
Ao mesmo tempo, intrigava-o como é que os que tinham princípios transcendentes diziam que o divino era todo-poderoso e bom e que ele desejava o bem para a humanidade e a verdade é que permitia que houvesse tanta miséria, sofrimento e maldade no mundo. Não percebia como é que esse tal Deus não impedia os terramotos, as tempestades, as guerras, as injustiças, as doenças e a morte nem como é que aceitava que os homens se comportassem muitas vezes de forma tão pouco humana e racional.
O homem mastigava as suas dúvidas e inquietava-se cada vez mais diante das suas interrogações sem resposta. Como sentia que já não acreditava em nada nem em ninguém, decidiu ir à procura de Deus. Faria uma viagem para ele mesmo ver com os seus próprios olhos e ouvir com os seus próprios ouvidos as coisas divinas nos principais locais de culto do mundo.
Optou por começar a sua viagem pela Índia, visitando Benarés, a cidade sagrada do Hinduísmo. Percebeu a sua evolução do Vedismo e a sua fundação por volta do ano 1700 antes de Cristo. Mergulhou no Rigveda, o primeiro livro dos Vedas e principal texto sagrado para 733 milhões de pessoas, e ficou a saber que as pessoas boas e com uma vida justa, reencarnavam numa forma de vida superior.
Depois, seguiu para Rangoon, na Birmânia, para descobrir o Budismo. Procurou conhecer a figura de Siddharta Gautama, o Buda, nascido no ano 563 antes de Cristo, e ler algumas coisas do Cânone de Pali e dos Sutras. Percebeu que, para 320 milhões de budistas, a existência era sofrimento e o grande objetivo era atingir o Nirvana, através da caridade e da contemplação.
De seguida, foi para Roma, na Itália, para perceber o Cristianismo. Apesar de Jesus Cristo ter morrido em Jerusalém, o Vaticano era a capital do catolicismo, pois ali morrera Pedro e Paulo e, por isso, aí vivia o Papa. O nascimento do fundador marcou o ano 0 da nossa era e havia 1.800 milhões de cristãos em todo o mundo, entre católicos, protestantes e ortodoxos. Leu diversos textos do Antigo e do Novo Testamento e ficou a conhecer o mandamento novo do Amor a Deus e aos outros, tratados como irmãos.
Posteriormente visitou Meca e Medina, na Arábia Saudita, para descobrir o Islamismo, a religião de 980 milhões de pessoas, a maior parte sunitas e, em número bem menor, xiitas. Tentou conhecer a personalidade de Maomé, cujo chamamento divino se dera no ano 622, e leu vários trechos do Corão. Percebeu que para os islamitas, Alá era Deus e Maomé o seu profeta e o Corão era a Lei essencial que rege as suas vidas.
Por fim, foi a Jerusalém, em Israel, para conhecer o Judaísmo, a religião de 14 milhões de pessoas. Procurou mergulhar nos livros sagrados da Tora e conhecer a vida e obra de Abraão e Moisés, dos anos 2000 e 1200 antes de Cristo, respetivamente. Percebeu que cumprir a Lei dada ao povo hebreu era o principal objetivo de vida e que esperavam a vinda do salvador, o Messias.
Por todos os sítios por onde andava, o homem procurou conhecer também outras formas de viver aqueles valores religiosos em movimentos que se haviam afastado das posições mais tradicionais e ortodoxas. Calcorreou a Europa, a África, a Ásia, a América e a Oceania e entrou em contacto com mil e uma formas de vivência do sobrenatural.
O homem conseguira ir ao encontro dos lugares mais sagrados das principais religiões monoteístas e politeístas do mundo e sentia-se um privilegiado por ter tido essa oportunidade. Em todas e cada uma, descobrira coisas interessantes e profundas e outras menos positivas.
Enquanto viajava pelo mundo, pensava consigo mesmo sobre tudo o que via, ouvia e experimentava. Achava que não era adequado alguma religião julgar-se melhor que as outras e a única detentora da verdade. Considerou que as grandes diferenças entre as grandes religiões tradicionais estavam diretamente relacionadas com as suas origens culturais e residiam nas formas exteriores como se exprimiam e expressavam.
Pensava que havia muitos mais aspetos a unir as religiões do que a separá-las e elas tinham uma responsabilidade ímpar na missão de dar sentido à vida das pessoas e de transformar, renovar e purificar a humanidade. Muitos aspetos institucionais, burocráticos, regulamentares, dogmáticos e formais afastavam os fiéis do essencial, da pureza e da frescura das convicções originais dos fundadores das diversas religiões.
Achava que, se cada crente fosse coerente com aquilo em que dizia acreditar na sua religião, a sua vida e o mundo seriam muito melhores. Não havia propriamente religiões em abstrato mas sim pessoas e comunidades que partilhavam os mesmos valores, celebravam a mesma fé e tentavam viver no concreto do quotidiano a mesma filosofia de vida.
O que não conseguia perceber de forma alguma era a razão por que havia como que rivalidades e guerrilhas entre várias crenças a ponto de se odiar e matar em nome de Deus. Também não achava bem tentar fazer-se uma espécie de miscelânea com as coisas com que cada um gostasse e concordasse em cada religião, como se tudo aquilo fosse algum tipo de supermercado onde se compra apenas o que se quer.
A verdade é que aqueles meses em que calcorreou o mundo à procura de Deus mexeram profundamente com ele. Não acreditava em Deus nem passou a acreditar. Não o viu, não o ouviu nem falou com ele mas sentia-se um homem diferente.
Ao regressar a casa, sentia-se em paz consigo mesmo. Andava mais tranquilo do que nunca. Não se limitava a sobreviver mas queria viver em plenitude e buscava sentido para a sua existência. Achava que não eram precisas religiões para se ser feliz mas que, inequivocamente, podiam ajudar e, sem os seus valores, a vida não era a mesma coisa.
Inesperadamente, ouviu bater à porta e foi abrir. Era um menino que pedia esmola. O rapazito tinha as suas roupas rotas e sujas e o homem, ao olhá-lo de cima a baixo, sentiu uma compaixão que jamais experimentara antes por alguém. Não quis ser solidário como habitualmente era quando dava uns trocos aos mendigos. Inexplicavelmente, quis abraçá-lo e ajudá-lo a ter uma vida melhor.
Convidou o menino a entrar, ofereceu-lhe um lanche e deu-lhe roupas e brinquedos numa mochila. O rapazito não tinha palavras para agradecer e limitou-se a perguntar:
– O senhor é cristão?
O homem respondeu prontamente:
– Não. Claro que não. Mas… porque perguntas isso?
O menino respondeu:
– Ouvi dizer que os cristãos seguem o mandamento do amor a Deus e ao próximo e, na verdade, nunca ninguém me convidou a entrar na sua própria casa nem manifestou tanto carinho comigo como o senhor… e como os cristãos dizem que Deus é Amor, pensei que fosse um deles.
O homem não sabia o que lhe dizer. Quis saber da situação familiar do menino e prometeu ajudar os pais e os irmãos que eram mais pequenitos. Depois, deu-lhe um abraço e combinaram voltar a encontrar-se.
A verdade é que as palavras do menino não lhe saíram da cabeça. Sentou-se na varanda a olhar o pôr-do-sol e sentiu uma serenidade invulgar. Escutou o vento a bater suavemente nas folhas das árvores e os passarinhos a chilrear alegremente, enquanto contemplava o horizonte. Sem acreditar na existência de Deus, dispusera-se a procurá-lo. Não o encontrou. Mas, misteriosamente, parecia que aquele menino era um sinal. E talvez o tenha achado na sua própria casa. E deu por si a dizer:
– Pai, procurei-te e foste tu que andaste à minha procura e me encontraste. Vem a mim e caminha os meus caminhos. Ainda vou a tempo de te descobrir e conhecer. Ensina-me a amar.
Fonte: IMISSIO