O menino do mar

Era uma vez um menino que vivia numa aldeia à beira mar. Os seus pais eram pescadores, tal como todos os habitantes daquele sítio, e a paisagem envolvente era o azul do céu e do mar e o verde da erva e da floresta que abraçava o extenso e branco areal da praia.

A sua casa era de madeira, tal como todas as casas da vizinhança e, por causa das habituais temperaturas elevadas, não tinha janelas, havendo apenas redes para evitar a entrada dos mosquitos. As casas estavam em cima de estacas para tentar amenizar o calor e para deixar passar as águas do mar quando a maré estava cheia.

As árvores ofereciam uma sombra agradável e a miudagem gostava imenso de trepar pelos coqueiros e palmeiras acima em busca de alimento e de emoções fortes. Algumas árvores, sobretudo as que se espreguiçavam sobre a praia, eram espaços privilegiados para mil e uma brincadeiras.

O menino sentia-se triste por viver naquele local. Achava que tivera tido pouca sorte por ter nascido numa família de poucos recursos de uma aldeia pobre e lamentava-se por não ser como os meninos das famílias mais abastadas que por ali passavam em passeio com os pais.

Um dia, estava o menino a brincar na praia a construir uma grande tartaruga de areia, quando uma menina se aproximou e disse:

– Olá! Podes arranjar-me um copo de água?

O menino, surpreendido com a situação, não conseguiu olhar para ela. Por vezes, iam para aquela zona pessoas da cidade passear e tomar banho no mar mas nunca ninguém tinha metido conversa com ele. Os pais da menina estavam sentados no areal a olhar o horizonte, enquanto as ondas pequenas e suaves lhes beijavam os pés. Então, o menino respondeu:

– Claro. Tens é que esperar um bocado pois tenho que ferver a água.

A menina ficou surpreendida pois na sua casa bastava abrir a torneira e tinha toda a água que quisesse e ali não havia água potável. Enquanto acompanhava o menino à sua casa, disse-lhe:

– Desculpa estar a dar-te trabalho. É incrível como é que vivendo tu a poucos metros de toda a água do planeta, não tenhas nenhuma em condições para beber…

Enquanto punha um pouco de água ao lume, o menino respondeu:

– É isso mesmo… este mundo tem destas coisas incompreensíveis! Enquanto uns têm tudo, outros não têm nada.

A menina baixou a cabeça e ficou sem conseguir dizer o que quer que fosse, como que envergonhada. Depois da água fervida e arrefecida, o menino deu-lha numa caneca de madeira e ofereceu-lhe uns biscoitos que a mãe fizera no dia anterior. De seguida, sentaram-se nas escadas da casa e, a menina, depois de levantar as mãos para os pais, como que a dizer que estava ali e que não se preocupassem, disse:

– Muito obrigado por esta caneca de água que tão simpaticamente preparaste para mim. Não fazia noção que havia pessoas sem água na própria casa… Mas… se calhar sou mais infeliz do que tu… Tenho tudo o que quero e, como nunca precisei de me esforçar muito para ter o que quer que fosse, não dou o devido valor às coisas…

O menino disse:

– Nunca estamos satisfeitos com o que temos… Os meus pais vão para a pesca todos os dias e nem imaginas como ficamos preocupados quando o mau tempo impede de ir ao mar e não temos o que comer ou quando as ondas viram o barco e põe as suas vidas em perigo… Adorava ir à escola mas tenho que ficar em casa muitas vezes a tomar conta da minha irmã pequenina…

Entretanto, os pais do menino chegaram de mais um dia de faina no mar e os pais da menina chamaram-na para regressar a casa. Ao cruzarem-se, cumprimentaram-se e a menina pediu para que ficasse mais um pouco a brincar e a conversar com o menino. Os pais das duas crianças entreolharam-se e combinaram que voltariam a encontrar-se brevemente.

Os dias seguintes decorreram com a normalidade habitual. O menino a ajudar os pais com a irmã mais nova, a brincar na praia e a olhar o mar e a menina a viver e a usufruir das coisas que só o dinheiro podia comprar.

No entanto, aquela tarde passada na praia à volta de uma caneca de água não saía da cabeça dos dois. Misteriosamente, aquelas horas tinham sido especiais e inesquecíveis. Cada palavra dita ficou gravada indelevelmente na memória e no coração dos dois.

Então, a menina lembrou-se de pedir aos pais que deixassem o menino da praia ir passar um dia em sua casa. Sem grandes hesitações, acharam bem e foram à aldeia fazer o convite. O menino saltou de alegria e os seus pais aceitaram mas com uma condição: no dia seguinte, seria a menina a passar o dia com eles na aldeia.

O menino, que habitualmente se limitava a andar de calções, pediu emprestado aos vizinhos uma camisa, umas calças e uns sapatos, para ir bonito. Contudo, sentia-se desconfortável, qual peixe fora da água. Andou de carro pela primeira vez e visitou alguns monumentos da cidade. Os seus olhos diziam tudo: estava maravilhado com as muitas pessoas que enchiam os passeios e as praças e com os prédios altos e as estradas inundadas de automóveis de todas as cores e feitios.

No entanto, impressionava-o que as pessoas não sorrissem e andassem muito apressadas e atarantadas de um lado para o outro. Além do lixo que viu nas ruas, chamou-lhe a atenção que os arranha-céus quase que impedissem de ver o céu azul e o sol a brilhar, além de, no meio daquela floresta de cimento, não ser possível ver os campos e as montanhas verdes nem observar o oceano.

Na casa da menina, sentia-se como se estivesse num palácio. Mas, rapidamente se viu como que mais uma peça de uma fábrica pois a abundância de máquinas tornava toda a vida bastante artificial e mecânica. Parecia que não havia espaço para a espontaneidade e tudo era demasiado estruturado e predeterminado. Tudo aquilo era muito diferente do seu mundo à beira mar plantado.

No dia seguinte, foi a vez de a menina experimentar o quotidiano do menino. Retirar o seu vestuário mais formal para se pôr à vontade não foi tarefa fácil mas depressa se deu conta que somente assim podia descobrir e aproveitar ao máximo a estadia na aldeia da praia, ao estilo das pessoas simples que via.

Além de ajudar o menino a tomar conta da irmãzinha e a ferver água para beberem, fez tudo o que o amigo fazia muitas vezes: subir às árvores, fazer construções na areia e nadar vezes sem conta no mar. Cantou, jogou, riu e correu pelo areal como se não houvesse amanhã. Nunca se tinha sentido tão bem, tão feliz e tão livre.

Testemunhou a espontaneidade e bondade com que todos os habitantes da aldeia se relacionavam, como se todos fossem da mesma família. Entravam nas casas uns dos outros com naturalidade, ajudavam-se uns aos outros a lavar e a estender a roupa, partilhavam frutos e petiscos que cozinhavam, arranjavam em conjunto as redes da pesca e havia sempre muita alegria no ar.

No final da tarde, e quando o sol já começava a esconder-se no horizonte, o menino convidou a menina para um passeio num pequeno barco de madeira que ele próprio construíra. O mar sem ondas e o horizonte alaranjado parecia ter saído de um filme e enchia as medidas dos dois meninos.

Então, a menina disse:

– Tu vives no paraíso… Eu tenho tudo e, na verdade, não tenho nada. Tu consegues ter tudo aquilo que qualquer pessoa pode desejar: paz, liberdade, família e saúde. Tu tens de graça tudo quanto garante a verdadeira felicidade. A verdade é que a maior parte das pessoas ainda não descobriu que o que tem autêntico valor não se compra. É grátis. As melhores coisas da vida não são coisas.

O menino respondeu:

– Acho que tens razão… Só depois de ter ido à tua cidade é que me dei conta do privilegiado que sou por viver onde e como vivo. Eu andava enganado e até a ser injusto e ingrato com a vida. As pessoas procuram a beira-mar para descansar o corpo e a alma e a verdade é que eu vivo aqui… Eu é que sou verdadeiramente rico! E mais rico fiquei ao ter-te conhecido. A amizade é o maior tesouro.

Depois, os pais do menino do mar convidaram a menina e os seus pais a jantar. Juntaram-se à volta de uma fogueira a assar e a comer peixe pescado naquele dia e passaram a noite a conversar na companhia da lua e das estrelas. Não havia diferenças culturais, nem divisões económicas nem estratificações sociais. Sentiam-se irmãos.

O pai da menina disse, então:

– Estamos tão contentes por estarmos aqui e vermos a nossa filha feliz… O que nos torna ricos ou pobres não é o que temos mas o que somos. Sabem, apesar de ter dinheiro, aprendi a ser simples ao observar o sol a pôr-se no mar. Apesar de toda a sua grandeza, desaparece para deixar a lua aparecer e brilhar. O sol, a lua e a verdade não se podem esconder por muito tempo. Esta é a verdade da humanidade. Todos somos diferentes e todos somos iguais. O sol e o mar são e estão para todos sem distinção. Há muito mais a unir-nos do que a separar-nos e temos tanto a aprender uns com os outros.

Então o menino do mar disse:

– Este é o dia mais feliz da minha vida. Vocês, o sol e mar ajudaram-me a descobrir o sentido da vida. A felicidade não está nem nas coisas materiais nem reside fora de nós mas dentro do nosso ser, na nossa vontade e nos nossos sonhos. Não há pobreza nem riqueza… o que existem é ricas pessoas e pobres pessoas pois onde estiver o nosso coração aí estará o nosso tesouro. E, como quem quer ir para o mar, deve aviar-se em terra, acho que encontrei aquilo que me impedirá de naufragar e de andar à deriva… a amizade e o amor.

E foi dar um grande e apertado abraço à família e aos novos amigos.

Fonte: IMISSIO