Caminhada para uma Quaresma com Páscoa
Na mensagem que nos dirige para esta Quaresma, o Papa Francisco apresenta a Quaresma como um tempo favorável de graça e um percurso de formação do coração.
O Papa Francisco sugere, para a formação do coração, os caminhos da oração, da caridade e da conversão, de modo que a oração nos abra à comunhão, e, pela caridade, na Igreja “tudo seja de todos”, até sermos capazes de fazer das paróquias “ilhas de misericórdia no meio do mar da indiferença”.
Importa cultivar um clima de fraternidade e de esperança que transforme e abra o coração humano, tantas vezes indiferente ao mistério de Deus, à presença de Jesus e à ação da Igreja. Estava já preparada esta Caminhada da Quaresma – Páscoa e escolhida a imagem da “porta”, quando, ontem mesmo, recebemos esta belíssima mensagem do Papa Francisco para a Quaresma deste ano. É com muita alegria que vemos como esta imagem da “porta” serve também na mensagem do Papa este desafio para a abertura do nosso coração ao amor de Deus e à missão da Igreja.
É com este mesmo espírito e usando a mesma imagem da “porta” que apresento à Diocese a Caminhada da Quaresma – Páscoa, inspirada na Exortação apostólica “A alegria do evangelho” e integrada no ritmo da dinâmica pastoral proposta à Diocese ao apresentar, no passado dia 9 de setembro, na celebração de Abertura do Ano pastoral o lema: “A alegria do Evangelho é a nossa missão”.
Quero agradecer e louvar o belo acolhimento oferecido a este lema diocesano, e a quanto ele significa de mobilização pastoral, assim como o grande interesse encontrado em toda a diocese pela Caminhada de Advento – Natal, em que nos propusemos construir: “Uma casa para a alegria do evangelho”.
Urge agora abrirmos nesta “casa construída para a alegria do evangelho”, juntamente com a “porta” do nosso coração as “portas” que nos façam entrar na Igreja e daí partir em missão: “Abre a tua porta à alegria do Evangelho”.
Na linguagem da fé, a “porta” é um dos símbolos com o qual Jesus se identifica. “Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, será salvo” (Jo 10, 7 ss).
Na arquitetura das igrejas, a “porta” é o elemento de passagem que projeta para o mistério e envia para a missão.
A Quaresma é um belo e necessário itinerário de sete semanas que nos conduz pelos caminhos da oração, da conversão, do jejum e da partilha fraterna rumo à Páscoa. Depois, a partir da Páscoa, outras sete semanas nos levam, durante o tempo pascal, a irradiar a alegria da ressurreição. Assim, outras tantas portas se abrem pela mão da mesma Igreja, que nos preparou durante o tempo quaresmal para irmos em missão ao encontro do Mundo.
A Quaresma é, assim, para os cristãos, e deve ser através deles para todo o mundo, um convite a abrir a porta do nosso coração à alegria do evangelho.
A Páscoa, por seu lado, vai conduzir-nos à casa das famílias da nossa Diocese, a partir das “portas” da Igreja, abertas no domingo da ressurreição. Levaremos connosco a cruz florida com o belo e feliz anúncio da ressurreição e o convite a vivermos, no espírito da alegria do evangelho, a partilha de bens que queremos recolher na renúncia quaresmal, como dom da generosidade de todos, para repartir por aqueles que deles precisam, sobretudo os mais pobres, sós e esquecidos.
Vivamos todos, desde as crianças da catequese, aos jovens dos grupos paroquiais e das escolas, às famílias, às paróquias, às comunidades religiosas e aos movimentos apostólicos esta proposta de itinerário espiritual e de dinâmica pastoral. Só assim a Igreja será “a mão que abre a porta através da qual Deus entra no mundo e o mundo n’Ele”. Cabe à Igreja, lembra-nos o Papa Francisco, ser “como a mão que mantém aberta esta porta, por meio da proclamação da Palavra, da celebração dos Sacramentos, do testemunho da fé que se torna eficaz pelo amor”. E o Papa adverte que, se a Igreja não for esta mão “não deve jamais surpreender-se, se se vir rejeitada, esmagada e ferida”. Por isso, “cada comunidade cristã é chamada a atravessar o limiar [o limiar desta porta, poderíamos acrescentar] que a põe em relação com a sociedade circundante, com os pobres e com os incrédulos.”
Não deixemos de abrir a “porta” do nosso coração! Só um coração forte, pobre e misericordioso, vigilante e generoso que se abre à oração, à conversão e à reconciliação compreende como é importante viver e ser Igreja de portas franqueadas a todos, aberta para a todos receber e por todos rezar, vencendo a indiferença com o amor.
Mais do que lamentarmo-nos pelo declínio de uma civilização em fim de ciclo, que a violência, o terror, o medo e a pobreza indiciam, devemos ser capazes de iluminar o mundo com a luz transformadora que nos vem do amor misericordioso de Deus e renasce em cada Páscoa. Importa sentir que um futuro justo e solidário, de que a unidade dos cristãos e a comunhão da Igreja devem ser sinal e anúncio, não é um destino distante nem um caminho inacessível. O Papa Francisco lembra-nos que “na encarnação, na vida terrena, na morte e ressurreição do Filho de Deus, abre-se definitivamente a porta entre Deus e o homem, entre o Céu e a terra”.
Centramos esta Caminhada da Quaresma – Páscoa na liturgia de cada domingo. Aí se inspiram os desafios semanais a pormos em prática, os gestos significativos e os compromissos de ação a realizar. Aí encontramos a “chave da porta” que nos abre o coração para a mensagem inspiradora para a semana e para a oração pessoal, familiar e comunitária de cada dia.
Aí sentiremos os apelos de Deus à renovação espiritual, que está ao alcance de todos nós, sacerdotes, diáconos, consagrados e leigos, e de todos faz testemunhas da ressurreição e mensageiros felizes do evangelho.
Vamos transformar estes apelos de Deus em imperativos de conversão e em compromissos de missão, para que o mundo sinta a ternura do amor de Deus.
Coloco esta mensagem no coração de cada um dos diocesanos e de todas as famílias, paróquias, comunidades religiosas e movimentos apostólicos, para que em todos se reavive a bela experiência quaresmal e pascal, que nos leva, a partir do encontro com Cristo, ao encontro de quantos habitam esta mesma casa, que é a diocese do Porto.
Faço meus os votos, os desafios e os sentimentos do Papa Francisco que conclui assim a sua mensagem da Quaresma para este ano: “Com estes votos, asseguro a minha oração por cada crente e cada comunidade eclesial para que percorram, frutuosamente este itinerário, enquanto, por minha vez, vos peço que rezeis por mim. Que o Senhor vos abençoe e Nossa Senhora vos guarde!”
Com afeto fraterno desejo a todos uma abençoada Quaresma e uma santa e feliz Páscoa.
Porto, 28 de janeiro, festa de S. Tomás de Aquino, de 2015
António Francisco, Bispo de Porto