Era uma vez uma velhinha que vivia numa casa modesta de um bairro das periferias da cidade. Vivia sozinha e aquilo que mais gostava de fazer era ler. Muito do pouco dinheiro que tinha era para comprar livros e havia estantes e mais estantes cheias deles por todo o lado.
A casa parecia decorada com livros de todos os tamanhos e cores e a maior parte repousava no sótão onde ia de vez em quando levar caixotes carregados de literatura. Subia as escadas estreitas e íngremes com todo o cuidado e, de lanterna na mão, lá arranjava mais um cantinho na escuridão para enriquecer a sua biblioteca.
Adorava a sua casinha e a única coisa que a aborrecia era os ratos que, de tempos a tempos, a sobressaltavam à procura de alguma coisa para comer. A senhora era pobre mas a sua casa era limpa e asseada e os ratos eram uma consumição permanente.
Por vezes, aos primeiros raios de sol da manhã, enquanto rezava na cama ou ao anoitecer junto à lareira da sala, era surpreendida com a visita de um roedor e não era raro estar a ler no seu velho sofá junto à janela ou sentada à mesa na cozinha a comer e ver por cima dos seus óculos redondinhos um ou dois ratinhos a passear. A verdade é que ela tinha horror e nojo aos pequenos bichos, mas nunca tinha conseguido expulsá-los de casa.
Um dia, a velhinha subiu pela milésima vez ao sótão para levar mais uma dúzia de livros que lera nas últimas semanas e chamou-lhe a atenção uma quantidade descomunal de pequeníssimos papéis no chão. Imediatamente se deu conta que os ratos tinham estado a devorar os seus preciosos livros. Então, exasperada e furiosa, decidiu ir comprar uma ratoeira.
A coabitação entre ela e os ratos era completamente incompatível e aquilo não podia continuar assim. Pôs a armadilha com um pedaço de queijo à entrada do alçapão do sótão e esperou que a técnica resultasse.
Não demorou muito para que houvesse novidades. Passada nem sequer uma hora, a velhinha, enquanto quando varria a cozinha e ouvia música no seu velho rádio de pilhas, escutou um gemido agudo e estridente e logo se apercebeu do que se tratava.
Preferiu continuar calmamente nas tarefas de limpeza mas o chinfrim aumentava lá para os lados da escadaria do sótão. Então, a velhinha decidiu ir ver o que se passava. Qual não foi a sua surpresa quando viu um rato preso pelo rabo na ratoeira e mais quatro ratos inquietos e aflitos ali à volta a tentar socorrer o amigo.
A velhinha não sabia o que fazer ou pensar mas a cena perturbou-a e enterneceu-a de tal maneira que agarrou na ratoeira de forma expedita e corajosa e libertou o rato. Os cinco ratitos logo fugiram a sete pés, adentrando-se por um pequeno buraco da porta do sótão e a velhinha pegou na armadilha e deitou-a no caixote do lixo.
A idosa sentia o coração a mil à hora mas estava satisfeita com a decisão que tomara. Afinal, os ratos também tinham sido criados por Deus, tinham direito a viver, lutavam pela sua sobrevivência e também tinham família e amigos como qualquer pessoa.
Depois de colocar mais uns cavacos na lareira, sentou-se no sofá para continuar a ler mais um pouco e, exausta como estava, adormeceu. Qual não foi o seu assombro e espanto quando ouviu os sons sibilantes dos cinco ratos aos seus pés a guinchar. Um pedaço de madeira tinha saltado da lareira e a carpete estava a começar a arder.
A velhinha levantou-se logo de forma tenaz e resoluta e, com baldes e bacias de água, rapidamente debelou o foco de incêndio. Não conseguia imaginar o que teria sucedido sem a sagacidade e clarividência dos ratitos do sótão.
A velhinha não se cansava de louvar a Deus por estar viva por causa dos ratos que viviam no seu sótão e, desde então, todos os dias lhes oferecia comida em abundância e variedade. De uma forma completamente imprevisível e extraordinária, a velhinha deixou de se sentir sozinha em casa e os ratos deixaram de ter receio de passear tranquilamente pela casa.
E todos quantos visitavam aquela casa ficavam atónitos e encantados com a amizade bonita, improvável e inverosímil da velhinha com os ratinhos.
Fonte: IMISSIO