Diário de viagem III: A velocidade dos burros marroquinos e a invenção de Elon Musk

De Arssilah [Arzila] a Marraquexe, destino do nosso terceiro dia, não se contam muitos quilómetros, mas pareceu-nos muito longe, pelas seguintes razões: nas auto-estradas atravessavam pessoas e passeavam-se cães, o que exigia atenção redobrada e velocidades mais contidas; e grande parte do trajecto foi percorrido em estradas nacionais, tão lentas como as lesmas devido ao elevado tráfego, aos constantes postos de controlo policial, às centenas de camiões que se arrastavam a gemer cargas excessivas e às tão características carroças de burros que, em alguns locais, conseguiam maiores velocidades do que nós, deixando o jipe e a pick-up corados de vergonha. Claro que os burros tinham vantagem sobre nós: por não terem matrícula, nunca eram controlados pela polícia, coisa de que não estavam dispensados os cavalos dos nossos carros. Uma injustiça, diga-se de verdade.

Como somos padres e leigos muito sensíveis às injustiças, julgamos que as autoridades deveriam tomar medidas: estas centenas de carroças puxadas por pequenos e tenros burros bem pode ser considerado trabalho infantil, coisa que na nossa velha Europa é crime digno de severa punição.

Julgo que o americano Elon Musk se inspirou aqui, em Marrocos, para criar os seus célebres carros eléctricos marca Tesla. Seria interessante fazer um teste de comparação entre estes sofridos burros, que puxam estas pesadas carroças, e os automóveis Tesla. Excluindo a velocidade, penso que se equiparariam quanto à autonomia e à poluição, pois os burros, segundo parece, podem fazer uns 300 quilómetros a velocidade moderada e demoram a carregar pela boca umas quatro horas; mas, se o carregador manjedoura for reforçado, como aqueles carregadores especiais dos Tesla, podem carregar numa horita.

Quanto à poluição, é verdade que o Tesla não tem cano de escape, mas os gases que saem pela traseira dos burros, desde que se suportem os odores, também não são prejudiciais à saúde nem ao ambiente, segundo estudos recentes e avançados.

Terminada esta consideração, informamos que, como bons portugueses, resolvemos visitar, depois de um almoço campal e ambulante que teve como sobremesas uma boa remessa de anedotas, a celebérrima cidade de El-Jadida – em português, Mazagão. Foi tomada pelos nossos valentes conquistadores em 1513 e foi a última das praças fortes portuguesas a ser abandonada em Marrocos.

O que mais impressiona é a extraordinária fortaleza, verdadeiro prodígio da arquitetura militar lusa e a primeira a ser construída fora da Europa. Só foi abandonada em 1769 por ordem do nosso Marquês de Pombal. Imponente e de rara beleza arquitectónica é a cisterna, plantada dentro da muralha. Enfim, aos portugueses que por esta zona passarem fica o imperativo de visitar este forte e garantimos que não se vão arrepender.

Daqui até Marraquexe todos os quilómetros foram por estradas nacionais, pelo que só às 19h chegámos a esta cidade, que considero uma das mais castiças e sui generisdo mundo. Foi aqui que tivemos o primeiro problema: o nosso comparsa responsável  pela logística de repouso, sempre eficaz nas missões que assume e colega com quem eu vou até ao fim do mundo (ele é um homem grande em quem nunca vi gestos pequenos) tinha reservado dois apartamentos que não conseguimos encontrar, depois de duas horas de afanosa procura.

Inclusivamente, levámos um marroquino no nosso jipe que garantia saber onde era o local. Mas nem assim. Conclusão: tivemos de agarrar e conter o nosso referido comparsa que queria bater na dona dos apartamentos. A sorte foi ela estar na Alemanha, demorava muito tempo a lá chegar… Acabámos por pernoitar no Hotel Les Ambassadeurs. Com estas andanças e desencontros, eram 23h quando acabámos de devorar um belo repasto preparado pela logística alimentar chef-maitre André).

Apesar do cansaço e da hora avançada, os mais corajosos ainda ousaram visitar a praça Jemaa El-Fna, que é Património Mundial e um sítio absolutamente obrigatório numa viagem a Marrocos.  Eu não acompanhei este grupo, porque tive de ir deitar o Almiro.

Informação de última hora: o nosso comparsa pela logística de saúde tem sido verdadeiramente admirável no zelo e na preocupação, não tendo, no entanto, conseguido debelar as maleitas de uma mão estropiada, de um pé manco, de uma constipação atrevida que veio para ficar e evitar que um dos elementos se esteja a transformar numa borbulha!…

Há ainda a acrescentar que um dos condutores da pick-up é especialista em fazer tangentes aos polícias (faltou pouco para atropelar um!). Julgamos que tal se deve ao facto de termos passado em Tânger e ele ter confundido Tânger com tangente…

Padre Almiro Mendes 

Fonte: 7MARGENS