Ecce Homo

O Antigo Testamento está cheio de proibições a respeito da feitura e do culto de imagens: “Tomai cuidado em não esquecer a aliança que o Senhor contraiu convosco, em não fazerdes qualquer imagem esculpida” (Dt 4, 23). É que Deus tinha-Se manifestado muitas vezes, mas em nenhuma delas mostrou um rosto que pudesse ser copiado. Sabemos bem quanto os nossos irmãos judeus e muçulmanos levam este preceito até ao extremo para defenderem o monoteísmo.

Curiosamente, o Deus que não aceita que se represente a sua imagem criou-nos à sua “imagem e semelhança” (Gn 1, 26). E, pelo contexto desta afirmação, manda-nos ser cada vez mais sua “imagem e semelhança” como vértice da criação e responsáveis ou cocriadores de um mundo e de uma sociedade que hão de ser um jardim, uma antecâmara do paraíso. Não nos diz que a cara de cada um de nós tem os traços fisionómicos da d’Ele. Mas diz-nos para sermos… como Ele.

Sabemos bem que a nossa “imagem e semelhança” com Deus não é de natureza genética, mas de dignidade constituinte e sua expressão em obras de bondade e justiça. E isso remete-nos para o «protótipo» da humidade, para Aquele que, sendo “verdadeiro Homem e verdadeiro Deus” exprime a exata imagem do Pai: Jesus Cristo.

Ora, que traços revela esta imagem? Fundamentalmente, três: uma perfeita harmonia e concordância consigo mesmo ou não desintegração da sua personalidade; total empatia com o outro, manifestada em gestos de hospitalidade, presença, vizinhança, acolhimento, gratuidade, cura; e uma tal intimidade na relação com o Pai que lhe permite fazer dom completo e livre de Si.

Esta é a verdadeira “imagem e semelhança”, impressa também em nós. Claro que temos de nos perguntar se os nossos frágeis itinerários individuais a exprimem ou não. E se não temos de corrigir este «estilo» cristão de existir. Mas só o poderemos fazer diante do “Ecce Homo”, o Cristo que parece pôr de lado a sua divindade para que, da sua humanidade, como do húmus da terra, possa florir a beleza da vida nova. Neste caso, a beleza da ressurreição.

Nesta Semana Santa, para mais, vivida na estranheza de um confinamento que não nos deixa celebrá-la da forma habitual, pensemos que a bem-aventurança, a ressurreição e a felicidade são a meta onde nos conduz o caminho assinalado pela “imagem e semelhança” de Deus, tornada visível em Jesus Cristo.

Fonte: Diocese do Porto