Jesus disse, então, aos seus discípulos:
«Se alguém quer vir atrás de mim, renegue-se a si mesmo,
tome a sua cruz e siga-me. (Mt, 16, 24)
Qual é a cruz que sou chamada a tomar? Quais são as minhas ações? Como tem sido o meu discipulado?
Talvez seja mais fácil começar pelo fim: nestes últimos meses o meu discipulado tem sido tépido e insosso, com rasgos de fervor.
Se, por um lado, te fazes sentir com mais intensidade nos momentos em que me sinto desfalecer, por outro, estou demasiado acomodada às ‘tele-obrigações’ que me dispensam de pensar e de servir. Ou melhor dizendo que me dispensam de amar, já que os que habitualmente nos são confiados não cabem nas paredes do nosso confinamento.
E a minha imagem vai ficando cada vez menos semelhante à tua, o meu coração cada vez mais atrofiado e a minha humanidade cada vez mais desumana.
Amo-te na minha incoerência! Que te amo não tenho dúvidas! Todo o meu ser se deleita na tua presença. As minhas entranhas se revolvem e os meus olhos se comovem. Estremeço de alegria diante da tua Palavra, inebrio-me com o perfume de paz exalado pelo teu Espírito. Todo o meu ser quer saber responder a tanto amor. Todo o meu ser quer corresponder à tua vontade, gritando do topo da montanha “ecce venio, ecce ancilla!” Mas rapidamente esmorece a força da minha determinação e o corajoso fiat se amedronta num “espera só mais um pouquinho”. Porquê? De onde me vem tanta resistência? Sinto a frustração latente nas palavras de S. Paulo: “em mim, que quero fazer o bem, só o mal está ao meu alcance” (Rom 7, 21).
O estado de emergência, mergulhou a minha alma num estado de calamidade do qual preciso de ser resgatada. Resgatada por ti. Porque me amas. Porque conheces bem a diferença entre o teu ágape e a minha philia (cf. Jo 21, 15-17). Porque és paciente. Porque conheces o meu coração, os meus cansaços e as minhas feridas. Porque, ainda assim, queres continuar a escrever a nossa história com os lápis da nossa cruz. Na borracha, a tua misericórdia, disposta a corrigir as minhas errâncias, no grafite, o incenso com que louvo as maravilhas que fazes em, através e apesar de mim, e no papel, o ponto de encontro para o caminho que percorremos juntos.
Continuo sem saber qual é a cruz que me chamas a tomar, mas sei que não há cruz sem coração, pois foi ainda pregado nela que jorrou sangue e água do teu (cf. Jo 19, 34) para me salvar. Peço-te que tornes o meu coração mais semelhante ao teu, esvaziando-o de todo o orgulho para o encheres com a mansidão da tua humildade. Porque quanto maior o coração, mais leve é cruz.
Fonte: Imissio