NATAL
Deus que se dá à nossa humanidade
Os evangelhos da infância de Jesus falam-nos de situações que são ainda bem conhecidas nos nossos dias: uma gravidez suspeita, uma criança que nasceu em precárias condições de habitação, pastores socialmente desprezados, um massacre de crianças, uma emigração forçada de uma família à procura de asilo.
Tal como nessa altura, é num mundo marcado por duros sofrimentos que celebramos o nosso Natal. As festas natalícias não poderão traduzir-se numa fuga ingénua da realidade, ignorando as dificuldades e os tormentos deste tempo. Poderemos até ter de celebrar o Natal num momento em que as nossas próprias vidas estejam a passar por experiências dolorosas, que misturam os nossos dias com lágrimas.
O Natal anuncia-nos um Deus que conhece por dentro as cicatrizes das espinhosas provações por que passa a humanidade. Jesus, cujo nascimento foi um esplendoroso sinal de luz num tempo sombrio de dificuldades, continua a vir no nosso tempo para iluminar o abismo escuro da humanidade. É ao inclinar-se sobre as nossas feridas que Jesus de Nazaré, Verbo feito carne, ilumina para nós e para o mundo um clarão inextinguível de futuro.
Os evangelhos fazem-nos várias revelações surpreendentes. Falam-nos das situações de dureza e de desumanidade que rodearam o nascimento de Cristo, mas também nos contam como uma jovenzinha ficou emocionada com as maravilhas de Deus a acontecerem na pobreza da sua condição, depois de acreditar que «a Deus nada é impossível». Explicam que um noivo desconfiado descobriu razões para vencer a sua humilhação. Dizem-nos que os primeiros a adorar o menino Deus foram pastores que não frequentavam o Templo. Relatam a história de sábios que, mesmo sem pertencerem ao Povo eleito, foram dos primeiros a adorar o rei dos judeus.
O sinal divino que os anjos deram aos pastores foi que eles iriam encontrar a grandeza infinita de Deus na fragilidade de um recém-nascido deitado numa manjedoura. O sinal que nos é dado neste Natal é também o de que Deus se faz próximo nas circunstâncias mais ordinárias e insignificantes das nossas vidas. O grande teólogo Karl Rahner lembrou-nos que no Natal «Deus disse ao mundo a sua mais profunda e bela palavra numa Palavra que significa: amo-te a ti, mundo, e a vós, seres humanos». Essa revelação mostra-nos que a nossa identidade mais profunda é constituída pela vibração de uma ressonância divina no mais íntimo de nós mesmos. É aí que o Espírito continua a segredar-nos que somos infinitamente preciosos aos olhos de Deus.
Cristo é o lugar onde Deus e o homem se encontram. Enternecidos com esta bela surpresa, cantemos o Natal como um harmonioso duo que junta a humanidade e Deus. Que as nossas verdadeiras iluminações de Natal sejam as que acendem bem dentro do nosso coração um sublime fulgor divino a brilhar na nossa fragilidade humana.
Autoria do Texto: Dr. Manuel António