Fátima

Em Fátima, a solidão tem nome. E abraça-nos, dá-nos colo, é suave e terna. Em Fátima, não se conta o tempo. Quando os sinos tocam, chamam todos. Em Fátima, o silêncio toca-se, torna-se palpável, seja no imenso do recinto quando as campainhas se ouvem no altar, seja no coração de cada peregrino, quando os lenços brancos são o amor de cada peregrino. Em Fátima, o céu é de todos, os caminhos também. Este mistério da presença da Mãe de Jesus não se entende com a racionalidade das palavras que se juntam umas às outras, na procura de um sentido para as coisas.  Este mistério de presença está fechado à chave no coração de cada homem, de cada mulher, de cada criança que chegam a Fátima. Uns vêm de tão longe, passaram anos a preparar a visita, desejaram-na ardentemente. Outros estão ali ao lado, já rotinados nas idas e nas vindas. Uns caminharam dias, debaixo do sol e da chuva, sem ter onde dormir, sem saber como chegar. Outros caminharam no conforto de noites tranquilas, de cuidados atentos. Uns trazem o Rosário consigo, contas gastas pela certeza da Fé. Outros vivem na incerteza. Mas ninguém sabe o que vai no coração de cada um. Só Deus. E este ir ao encontro de Maria, a Mãe de Jesus, é um ir ao encontro do Deus que habita no coração de cada um. Aquele que, por Amor, se fez homem e habitou entre nós. Aquele que encheu de Amor o coração de uma jovem menina, que não teve medo e foi Mãe de quem nos salva. Saber que Maria esteve entre nós, permanece um mistério, mas que nos arde o coração, sim arde. Numa noite de Verão, tépida e limpa, descobri o silêncio da Capelinha das Aparições. Sozinha em Fátima, depois de um dia de trabalho, atrevi-me a este silêncio, sem saber que me esperava um encontro. Quando me deixei esquecer do dia que tinha passado, das pessoas que tinha à espera, quando me deixei esquecer, encontrei o olhar mais terno e suave, o olhar de uma Mãe, que conhece tudo o que vai no coração da sua filha, os tropeços, as alegrias, os sofrimentos e as angústias, os sonhos… conhece tudo e apesar de tudo, está ali, de braços abertos, pronta a escutar e a amar. Deixei-me ficar, quieta, sabendo que na noite seguinte era ali que queria continuar.  No amanhecer de um dia de chuva, depois do acordar ruidoso de um grupo de peregrinos, depois de uma noite mal dormida, no chão frio de uma garagem, começamos a caminhar. Em silêncio, um a um, com a chuva a bater no plástico fino de umas capas compradas à pressa. Quando me deixei esquecer do sono e do frio e da chuva, encontrei a companhia inesperada Daquele que nunca te deixa caminhar só. Com quem falas como se fala a um amigo, em quem confias como em mais ninguém. Ali, naquele pedaço de estrada, sem beleza que recorde, na solidão de caminhar acompanhada, no silêncio de um tempo de oração, o meu coração ardeu de alegria. No calor abrasador de um dos dias mais quentes de um Verão, chegámos à Cruz Alta. Para trás tinha ficado a serra, tinham ficado os caminhos íngremes de ovelhas e pastores, as sombras pequenas, onde tínhamos pedido água por favor. O esforço, que só se explica quando o silêncio deixa de ser opção, tinha-nos levado a limites desconhecidos. Na Cruz Alta, ao olhar para a Capelinha, senti que não era capaz de dar mais um passo, de lá chegar. Mas o grupo era mais forte. Demos as mãos e descemos, devagar, sofridos. Doía tudo. Mas chegámos. Ajoelhados, agradecemos. O sacrifício tinha tido um sentido. Era uma oferta pura, os nossos passos pela vida de um amigo. Ali oferecidos aos pés da Mãe, para que neles encontrasse a certeza da Fé que nos amparava, o amor que nos movia. Fátima é tudo isto. Em Fátima, a solidão tem nome. Chama-se Maria. Em Fátima, o tempo não conta, vislumbra-se a eternidade. Em Fátima, o silêncio é tecido em mil línguas, e sente-se denso, inteiro, ao toque das campainhas. Fátima é de todos. E quando o andor atravessa o recinto, na fragilidade da pequena imagem, no levantar das velas, que iluminam a noite, ou no acenar dos lenços, que dizem Adeus, o que encontro sempre é o Amor.

[©Isabel Figueiredo Canotilho | Texto puclicado no Magazine iMissio]