Diário de Viagem I: Ganhar o desafio de 5800 quilómetros

Quando estacionamos o jipe em frente à catedral do Porto, às 15h30, a aragem fria que fustigava o morro da Sé ameaçava o calor ténue do sol que desmaiava o seu brilho no Rio Douro. Saídos do carro, fomos engolidos por dezenas de pessoas que ali se quiseram plantar para nos dar um comovido abraço, para nos oferecer palavras benévolas, para nos presentear com comida e dinheiro para ajuda da viagem e, sobretudo, para nos desejarem boa sorte, prometendo orações.

Não conseguimos negar aos olhos as lágrimas ao vermos tão eloquentes expressões de amizade e comunhão de gente conhecida e amiga e até de pessoas que nunca tínhamos visto. Até os turistas, que ali são sempre muitos, se aproximavam para se inteirarem da situação.

Os microfones dos jornalistas apresentaram-se sôfrega e rapidamente às nossas bocas mendigando  palavras que pudessem traduzir a razão e a ousadia da aventura Porto-Guiné por estrada. Eram tantas as perguntas que se atropelavam umas às outras e nem o senhor bispo do Porto, D. Manuel Linda, entretanto chegado, escapou à curiosidade jornalística e teve de se expor aos microfones e aos flashes das máquinas fotográficas que se apressavam a registar o momento.

Estavam todos tão animados e eufóricos, que demorou a criar-se o ambiente necessário para a oração de bênção dos peregrinos que o senhor bispo quis fazer e que todo o povo rezou. Foi nesta altura que o senhor D. Manuel Linda teceu considerações tāo belas e apropriadas para o momento, que o Terreiro da Sé se vestiu de um silêncio religioso e todos os presentes pareciam admirar tanto aquelas palavras como o tão nobre e extraordinário gesto do pastor diocesano ao oferecer um jipe à Guiné, coisa pouco habitual.

Terminada a oração de bênção, todos se precipitaram sobre nós roubando- nos um último e comovido abraço.

Entrámos no jipe, que se vestia de milhares de assinaturas, e na pickup, que gemia a carga excessiva, e nem demos conta do trabalhar dos motores,  devido ao troar das palmas que nos batiam. Arrancámos com os olhos marejados de saudade. Os primeiros quilómetros fizeram-se a ouvir o relato do Sporting-Benfica e com a esperança de também nós ganharmos este desafio dos 5.800 quilómetros que nos separam do nosso destino: a querida Guiné- Bissau.

Até parece um Dakar. Com uma diferença: por desporto, nunca faríamos esta viagem; por caridade, ousamos realizá-la, porque “vale mais a gente gastar- se do que enferrujar-se”.

Às 23h, o seminário do Algarve, por bondade do senhor bispo D. Manuel Quintas, acolheu os nossos fatigados corpos.

Adormecemos numa oração comovida.

Padre Almiro Mendes

Fonte: 7MARGENS