Foi no extremo de Portugal que acordámos para o segundo dia.
De ponta a ponta, não é grande o território pátrio. Somos bem maiores nós, os portugueses, que demos novo mundo ao mundo. Rumar à Guiné parece que nos dá essa dimensão desmedida e estica-nos no sonho e na ousadia. Gratos pelo extraordinário acolhimento recebido pelo reitor do Seminário de Faro e agradecidos ao bispo D. Manuel Quintas, que quis oferecer a pernoita, aquecemos os motores e rumamos, apressados, a Tarifa, tendo embora tempo para pregar os olhos na beleza da Ria Formosa que o sol, ainda menino, beijava, como quem acaricia uma irmã.
Rezamos Laudes para cumprirmos o dever que nos incumbe e, já nas imediações de Sevilha, um grave acidente obrigou ao corte da auto-estrada em que seguíamos. As autoridades desviaram-nos para estradas secundárias com um preço: cerca de duas horas de atraso. Consequência: só conseguimos embarcar no ferry das 16h, já nos limites, quando deveríamos ter apanhado o da uma da tarde.
Mas nem este atraso de três horas nos roubou a alegria e a boa disposição. Passamos, aliás, muito do tempo da viagem a contar anedotas com transmissão de um carro para o outro. O padre Teixeira resolveu presentear o grupo com uns extraordinários walky-talkies que permitem falar do jipe para a pick-up, e vice versa, com toda a qualidade e grande vantagem. No início, estes simpáticos aparelhos pareciam um nada mas revelaram-se um muito, pela vantagem que proporcionam de comunicação entre as duas viaturas.
O embarque no ferry é realmente mais fácil e mais sossegado em Tarifa, pelo que depressa aquele barco, com boca de tubarão, engoliu, sem dó nem piedade, o nosso pobre jipe e a desvalida pick-up e vomitou-nos inteirinhos, no porto de Tanger. Temíamos as formalidades das fronteiras, em África sempre demoradas e até desesperantes, mas Marrocos é uma excepção e há simpatia pelos portugueses, pelo que em 15 minutos estávamos no reino de sua Majestade com todo o conforto e muita amabilidade dos polícias fronteiriços. Fantástico!
Continuamos animados e jubilosos, reparando nos rostos dos marroquinos, mais queimados do que os nossos, na arquitectura, que se nos afigurava mais frágil do que a portuguesa, e nas paisagens que, por serem diferentes das nossas, regalavam os nossos olhos já fatigados pelas longas horas de estrada.
Não demorou a chegarmos a Arssilah, onde o nosso colega e mestre de cozinha padre André nos preparou um arroz de feijão com moiras e chouriças. Até os nossos amigos leigos comeram como abades!
Enfim, no mesmo dia, estivemos em três países: Portugal, Espanha e Marrocos; e em dois continentes: Europa e África. Somos do tamanho do mundo! Pelos menos o nosso sonho de chegar à Guiné não é mais pequeno do que essa medida. Mas tão grande quanto isto, ou ainda mais, é a amizade, empatia e comunhão que se vai consolidando entre todos estes peregrinos.
Padre Almiro Mendes
Fonte: 7MARGENS